A “umenoventaenovização” das coisas




Conheço, além do português, a palavra “amor” em outros dois idiomas: “love” e, agora, em russo, “любовь”. Não banalizo nenhuma delas. Assim faço com a palavra “estupro” desde que me tornei psicanalista, quero dizer, desde que percebi suas implicações na destruição da autoestima das vítimas. Portanto, estupro para mim só acontece na violência do sexual, nada de banalizar (igualitarizar) com expressões como “estupro a História ou a inteligência”.

Banalizar é tornar algo comum, ordinário em sua repetição e portanto, com diluição do seu poder de identidade e força platônica. Amor é algo assim, uso esta palavra em caso único – no de amor mesmo – se eu, por exemplo, gosto, eu gosto, jamais amo. Porque, ao meu ver, a palavra carrega um valor (catéxico, segundo Freud) tão grande que se torna preciosa, sacra. Usá-la “a torto e a direito” só serve para diluir aquela sacralidade, aquela preciosidade em situações corriqueiras do cotidiano e isso destituirá a palavra da importância que ela carrega para mim. Portanto, amo pouco, mas tento amar profunda e sinceramente, com a dedicação merecida.

Toda esta conversa fez-me lembrar do pensador Christopher Lasch, este, estadunidense, jamais americano, porque América contempla um continente, não deve esta palavra estar circunscrita a um único país. Eis um caso em que o compartilhamento é bom. Mas voltando a Lasch, em seu livro “O mínimo eu, sobrevivência psíquica em tempos difíceis”, escrito no início dos anos 80, o professor trata neste tema da banalização das palavras, uma escolhida em questão; “Holocausto”. Já perceberam que a morte sistemática de um povo chama-se genocídio, mas então, por que que com os judeus na Segunda Guerra se chamou “holocausto”? Segundo Lasch, esta palavra surgiu quase uns 15 anos depois que o último campo de concentração foi fechado. Hitler e os primeiros historiadores se referiam a morte dos judeus como “solução final”. Ainda é possível, para os amantes dos sebos, encontrar livros de História com aquela expressão. A palavra “holocausto” foi usada para referir a uma situação específica na História e para que esta jamais fosse banalizada, o que, para Lasch não teve logro. É comum nos referirmos a determinado ambiente como “um campo de concentração”, seja no emprego, escola ou casamento.

Partindo para as áreas “psi”, podemos explicar um pouco do banal por Freud e Lacan. Ainda na primeira tópica, Freud diz que prazer é algo que não existe. Explico: para o pai da psicanálise, o que existe é descarga de desprazer, tornando mais claro, o melhor gole de cerveja é aquele que acontece num verão carioca de 40 graus depois que você ficou por horas desprovido de poder beber. Assim, o gole de cerveja não é um prazer em si, ele retira a sensação aguda (por causa do calor) e duradoura (por causa do tempo) em que você ficou no desprazer da sede. Para Lacan há o “objeto a”, um desejo que se forma antes ainda da constituição da linguagem, por isso não podemos nomeá-lo ou sequer revivê-lo. Lembra-se daquele gosto da comida da avó? Principalmente se você for como eu e sua avó partiu há mais de uma década. Aquilo, segundo Lacan, foi sensacional porque foi a primeira vez que você experimentou e ficou gravado na memória (afetiva) como uma experiência fabulosa! Repetir taz feito nunca resgatará o valor da primeira vez do acontecido.

Agora vivemos em uma época em que a lógica do capital perpassa tudo. Aquilo que Focault nomeu como uma estrutura de poder que atua a atravessar as coisas. O escritor Slavoj Žižek tem uma metáfora interessante. Para ele, “capitalismo é algo como a coca-cola”, algo que pretensamente existe para acabar com a sua sede, mas que de fato só irá melar a sua boca de açúcar para que você tenha mais sede e, logo, compre outra coca-cola. Assim funcionam as coisas. A coca-cola, como tudo nestes tempos, utiliza-se dum cálculo utilitário descrito pela personagem Raskólnikov no clássico “Crime e castigo” de Dostoiévski. A obra é do século XIX, mais precisamente, completa 150 primaveras no ano que vem. A lógica de Raskólnikov, estudante de Direito que abandonou a faculdade por falta de dinheiro, é simples: matar uma velha desnecessária feito um piolho para, segundo ele, ficar com o dinheiro dela e usar de modo que isto potencialize a sua carreira que (na visão soberba de Raskólnikov) será magnânima.


A banalização dos nossos tempos leva a lógica de qualquer lojinha de 1,99 que conhecemos. Ali há uma quantidade absurda de produtos, ou, depende de quem olha, de quinquilharias. A maioria das coisas ali vem da China, país que entendeu o espírito do nosso tempo: coisas produzidas para serem baratas, com materiais igualmente baratos, para que, como a coca-cola, você compre outro quando quebrar. Quem já tentou consertar um produto 1,99 já percebeu ser esta uma missão quase impossível e kafkiana. E esta lógica “a la Focault” atravessa toda a nossa existência atual em uma miríade de possibilidades. Os nossos relacionamentos, por exemplo, são rápidos como uma “refeição” do Mac Donalds e baratos como algo de 1,99. Amor requer tempo, requer mutualidade, aquilo que o meu xará no filme Moulain Rouge explica como “a coisa mais importante que você pode aprender é amar e, em troca, ser amado em retribuição”, aquilo que Lacan define como “estar inserido no desejo do outro”. Como isso acontece em relacionamentos-miojo? Pois é, não acontece. O que temos é a banalização do sexo, em que a repetição corriqueira o torna algo cada vez mais insatisfatório, justamente porque perdeu a aura de sacralidade.



“Aura de sacralidade”... como não se lembrar do clássico texto de Valter Benjamin? Este texto, estudado por mim várias vezes desde a graduação, sempre operou como um “borrão de Rorschach”. Primeiramente eu via Benjamin como um iluminista incomodado com a mudança dos tempos. Já no mestrado estudamos a fundo este texto para crer que Benjamin até via questões positivas na reprodutividade tecnicista que poderiam ser usadas em prol do conhecimento, como era o caso do cinema. Agora, pensando nestas questões de banalização, a reprodutividade técnica, em suma, a cópia da cópia da cópia da obra de arte só faz diluir o seu poder transformador. Esmiúço: suponho que eu queira ver a Monalisa e ser impactado, talvez transformado por esta obra que está no Louvre, em Paris. Eu me preparo para este encontro, primeiramente, porque sou um brasileiro e preciso me dirigir até Paris, do outro lado do Atlântico. Isto demanda tempo, preparação, acuidade. Será uma experiência única, quase como o “objeto a” de Lacan, pois a Monalisa não é algo que eu possa ver todos os dias ao vivo (os empregados do Louvre podem, eu não). Esta expectativa da preparação valoriza a experiência, também toca no “descarrego de desprazer” proposto por Freud e, portanto, será algo de importância sacralizada. Agora, ao olhar para as milhares impressões da obra, para o seu simulacro em “zeros e uns” do mundo virtual, isto torna-se corriqueiro, algo sem valor, banal em sua repetição. Só um outro exemplo bobo, agora usando a coca-cola. Quando eu era criança, coca-cola e todos os outros refrigerantes eram coisas de situação especial, como aniversários, Natal e Ano Novo. Por isso, sentir aquele gosto num clima de festa era uma oportunidade única, escavada em sua própria condição de rara. Na atualidade, confesso que nunca parei para pensar até agora, mas é bem provável que eu tome coca-cola toda a semana, o que faz com que o paladar, agora acostumado pela repetição corriqueira, não sinta o mesmo gosto de outrora. Assim é com a coca-cola, assim são com os nossos pratos preferidos, com as viagens, assim são os relacionamentos ditos líquidos, assim se transforma o amor.

Repetimos porque desejamos reviver experiências elevadas de prazer e consciência, mas não percebemos que esta repetição pode, muitas vezes, levar a perda do sentir. Repetimos mais e sentimos menos, porque a banalidade automatizada e repetitiva liquida a possibilidade de satisfação do prazer. A satisfação mais profunda reside no sacro, na ausência, onde “menos é mais”. Tudo isso fez-me pensar também no clássico Noite Vazia, filme de Walter Hugo Khouri. Na película, a personagem de Gabriele Tinti é um rico empresário que, por buscar o prazer na repetição, parece que só atinge o resultado oposto e não sente mais nada em sua vida. Há uma cena em que uma chuva forte começa e a personagem rapidamente corre para baixo dela, tentando, ao se molhar de uma água que cai de forma torrencial e gelada, sentir algo no seu existir.



Todo este texto parece imbricar para uma lógica moral-conservadora-religiosa, mas não é esta a minha pretensão. Acredito no amor livre, no poliamor, no “seu corpo, suas regras” na melhoria das condições de vida das massas na era industrial. Acredito também que aquele que critica os pobres brasileiros por terem comprado uma geladeira e carro nestes anos de governo social democrata só o fazem porque sempre tiveram estes bens, nunca careceram destes de forma mais profunda para compreender o que significa a ausência de um refrigerador em uma casa de família por um longo tempo, por exemplo. Contudo, não quero mentir. Temos o direito de fazermos sexo de forma livre e descompromissada? Claro que temos! Quem age assim não presta? Claro que isso não procede! Mas entenda: chega um momento em que você não quer mais simplesmente estar, mas ser alguma coisa por aqui, alguma coisa para o mundo, para o seu trabalho, para alguém. E não atingimos isso com a repetição diluidora da banalidade. Nestes nossos tempos, muitas opções são, por vezes, sinônimos de nenhuma. Posso ver milhares de vezes por dia a imagem da Monalisa e é justamente por esta facilidade que eu sempre protelo esta análise, diferentemente se eu fosse ver a original lá na França. Posso ter vários relacionamentos líquidos, opções ao estilo 1,99 nas redes sociais aos borbotões, mas ainda sim não tenho nenhuma, porque estas são todas rápidas, superficiais e repetitivas. Por isso não banalizo a palavra amor, esta é para tudo aquilo que merece, que tem aura. Quero aura nas coisas preciosas da minha vida, como nos relacionamentos, nas minhas opções de esquerda, trabalho e estudos. Achar algo de precioso no universo líquido, imediato e consumista é como tentar achar um presente legal numa loja de 1,99.

CHARLES BUKOWSKI E O PROBLEMA DOS NOSSOS TEMPOS



Vivemos tempos dúbios, dominados pela ditadura dos especialistas. Ao final de contas, são eles, sempre eles, que, tentando ajudar, nos passam as mais diferentes ordens em nome do nosso próprio bem-estar, de uma melhora de desempenho, performance etc. Assim, nosso dia passa a ter muito mais obrigações que o dia dos nossos avós, por exemplo. Temos que mastigar 30 vezes a comida, comer alpiste – que agora possui o nome de linhaça – a escova de dentes, segundo a minha dentista, precisa ser suíça, em outras palavras, até a nacionalidade da escova de dentes passa a ser importante! A margarina necessita combater o colesterol, o nosso banho deve ser rápido, afinal de contas, a água em São Paulo está acabando... e nem saímos do café da manhã.

Para a vida profissional, mais cobranças: cursos e mais cursos de pós-graduação, MBA, mestrado, doutorado e pós-doutorado, de preferência, no exterior. Idiomas e mais idiomas, alguns clássicos como o inglês e o espanhol, alguns da moda como o mandarin. Há ainda a roupa da moda – e, para a ocasião profissional, o carro da moda, o corte de cabelo da moda, o celular da moda (que deve ser trocado há cada 6 meses, mesmo que o novo não pareça tão diferente assim do antigo). Happy hours intermináveis, jantares de negócio, finais de semana dedicados ao trabalho e a “prospectar” novas possibilidades profissionais.

Há ainda a vida pessoal. Se for solteiro(a), há certamente algo errado com você. É preciso sair e se divertir e caçar, mesmo que você não tenha vontade ou aptidão para isso. Se você já é casado(a), é cobrado para ter filhos e se já os tem, é preciso arranjar um tempo para dar atenção ao casamento e as crianças, enfim, a vida em família. Na vida sexual a performance também é cobrada. Como diz o psiquiatra e psicoterapeuta Flávio Gikovate, por falta de um padrão melhor ou um padrão anterior, as relações sexuais são pautadas pelas performances dos filmes pornô: ele ou ela ficam mais preocupados em impressionar do que curtir o momento.

Além disso, é necessário cuidar do corpo em uma academia, ter tempo para os pais e amigos, fazer um trabalho voluntário, ter uma religião, se inteirar sobre as últimas da política...

Em nome do bem-estar, cobranças e mais cobranças. Não é à toa que a grande doença psíquica do momento é a ansiedade, um “tentar desesperado” em cumprir toda esta agenda impossível.

 
A pressão do superego, seja o próprio, seja um “superego social” passa a ser enorme a fim de cumprir tudo. Como se não bastasse, a cada dia aparecem novas “obrigações de bem-estar” sugeridas por especialistas.
Na época das redes sociais, não podemos nem ter um DIA DE FÚRIA, como aquele famoso filme em que Michael Douglas tem um surto de raiva.


Nos dias de hoje, não podemos nos dar ao luxo disto, pois o mínimo “piti” em uma loja ou restaurante será gravado por celulares e mais celulares e, alguns cliques mais tarde, poderemos ser o próximo “mico” da internet.



 Nem errar não nos é permitido mais com tranquilidade. O caso recente em que uma torcedora gremista chama o goleiro Aranha de “macaco” é a prova de que o Big Brother, o “Grande Irmão” de Orwell finalmente nos controla com força total. Na obra do escritor, esta tarefa controladora do Grande Irmão é exercida por um Estado Forte, mas na atualidade percebemos que o controle é feito de todos para todos.



 É evidente que a atitude da torcedora gremista não foi correta, mas, certamente, aumentou o medo de cada um em ser flagrado em uma atitude humana, mas não benevolente e ser julgado implacavelmente pelo que o cantor Tom Zé chama de “o tribunal do feicebuque”.


Neste “novo mal-estar da civilização”,uma cobrança invisível e ao mesmo tempo presente o dia todo, principalmente na competitiva classe média paulistana, certo dia uma simples frase do escritor Charles Bukowski começou a mostrar um caminho alternativo a esta pressão toda do tirânico Superego. A frase é “o tempo é para ser desperdiçado, o amor fracassa e a vida é inútil”. Tenho esta frase como plano de fundo nos meus dois computadores. Numa sociedade em que a performance capitalista, em que a lógica de mercado se apoderou das “verdades”, dos relacionamentos, da moral e da ética, como afirma Zygmunt Bauman em suas obras, só a ideia de que o tempo é algo “para ser jogado fora” parece mágico em aliviar as pressões deste superego tirânico.



 
Decidi mergulhar na obra de Charles Bukowski e entendê-lo um pouco mais:
Nascido na Alemanha em 16 de agosto de 1920, rapidamente a família se mudou para os Estados Unidos. Toda a obra de Bukowski, seja poesia ou prosa, foi construída em inglês. A vida do jovem Bukowski foi carregada de violência familiar, com o típico cenário de pai controlador (e violento) e mãe omissa. Só para se ter uma ideia, em uma das entrevistas de Bukowski que podemos encontrar no Youtube, o escritor está em frente a sua casa de infância e mostra o gramado, gramado este que Bukowski era obrigado pelo pai a aparar de forma milimétrica, pois, se um fiapo de grama ficasse maior, ele apanharia do pai severamente de cinta no banheiro. Este martírio fora retratado no livro MISTO QUENTE. Aliás, jamais será possível separar Hank Chinaski, o grande personagem das obras do escritor, com a vida do próprio Bukowski. O pai, como muitos que provavelmente passaram por violência, castiga o filho de forma cruel tentando ensiná-lo a “ser homem”,a “ser macho”. Toda a violência da infância, somada com o silêncio da mãe frente aos abusos do pai, faz Bukowski crescer com um grande “vazio emocional”.Já na adolescência, a vida do escritor – além de todos os problemas característicos da fase – é marcada pela pobreza da família em plena Depressão Americana dos Anos 30. Além disso, Bukowski fora acometido por um tipo severo de acne: uma vez por semana ele pegava um ônibus, cruzava toda a cidade e ia ao hospital para que uma enfermeira furasse as bolhas (sempre causando muita dor física). Bukowski sempre foi um introspectivo, não fazia sucesso algum com as mulheres. Sua primeira relação sexual foi com uma prostituta “enorme de gorda” (palavras dele) aos 25 anos. Ao final, Bukowski brigou com ela, pois achava que a prostituta havia roubado a sua carteira. Ele encontrou a carteira no bar depois.
 
Toda a violência, o vazio emocional e a introspecção fizeram com que o agora adulto Bukowski fosse uma pessoa que não quisesse muito da vida, além de perambular de cidade em cidade dos Estados Unidos, ter os mais variados empregos. Desde cedo Bukowski começou a beber e se tornou um alcoólatra, vício que carregou até o final da vida. Buk foi carteiro, vendedor, morou em lugares sujos e baratos, não tinha planos para a vida, não queria uma carreira ou algo assim. Do tempo livre passado nas bibliotecas, Bukowski começou a se interessar por escritores como Dostoievski e Hemigway, suas grandes influências literárias. Ele também gostava de música clássica como Bach.
 
A válvula de escape do psiquismo de Bukowski foi a escrita – poesia e prosa. Ele escrevia de forma quase que compulsiva diversos poemas e contos, que enviava as revistas literárias da época para serem publicados. Ainda carteiro, Buk é descoberto por um dono de uma editora pequena. Eles se sentaram e conversaram. Bukowski fez contas e mais contas e pediu um mínimo por mês (mínimo mesmo) para que pudesse parar de trabalhar e se dedicar aos seus textos. Nasce a partir daí o grande escritor e o romancista Charles Bukowski.
No final dos anos 60, já passado dos 40 anos Bukowski se torna uma celebridade literária e passa a desfrutar das benesses de uma vida de escritor famoso: se muda para um bairro caro, tem casos e mais casos com jovens garotas. Há quem diga que Charles Bukowski é o poeta estadunidense mais importante da segunda metade do Século XX. Sua escrita “sem papas na língua”, sem firulas de estilo, diretamente nua, crua e cortante, contrastava com o estilo rebuscado de texto que tentavam imprimir na poesia dos Estados Unidos daquela época. Bukowski, mesmo sem querer, acaba com este estilo rebuscado.
Jean-Paul Sartre chamava Bukowski de “o maior poeta da América”. Seus poemas, crônicas e demais textos eram sobre ele mesmo, seu dia a dia em lugares baratos, sua vida com prostitutas, brigas em bares, problemas com os chefes... Buk foi considerado o “grande poeta das massas”, pois falava profunda e diretamente a elas.
A vida de Bukowski gerou o filme Barfly (1989), estrelado por Mickey Rourke e Faye Dunaway. O escritor morre de leucemia em 9 de março de 1994 em sua rica casa em Los Angeles. Já era um escritor famoso e venerado pelo mundo.
 
O que a poesia de Bukowski tem para amenizar um superego tirânico?
Como vários escritores famosos ao longo da história, Bukowski vivia à margem da sociedade e se orgulhava por isso. Costumo dizer que a poesia do velho Buk celebra o fracasso, como, se no final das contas, a coisa não fosse tão ruim assim. É dele a célebre frase: “todo mundo pode ser sóbrio, mas, para ser um bêbado, é necessário ter talento”.
Ao amenizar os fracassos da própria vida, mesmo sem saber, Bukowski anula a força de um superego tirânico e cobrador. Quando se lê Bukowski, tem-se a sensação de ler algo profundo escrito em um linguajar de rua, pobre e feio, às vezes, mas carregado de sonoridade, como fazem os repentistas aqui no Brasil. Buk é aquele “relaxa”, aquele “pega leve” que a molecada repete em alto e bom som. As poesias de um velho duro e amargo pelos golpes da vida, mas carregadas com uma imensa sensibilidade que tem “um pássaro azul no peito” mostram que as emoções se escondem mesmo nos mais brutos e podem aflorar por vez ou outra.
Mesmo pessimista, Bukowski é por vezes um otimista em seu desprendimento com a vida, como no seu clássico poema Rolando os Dados (Roll the Dice), recitado por Bono vox do U2, um dos principais fãs do escritor, junto com ator e diretor Sean Penn.
 
Tudo sempre pode esperar, sejam os MBAs ou academias de ginástica, afinal de contas, a vida não é um jogo de performance, mas “algo a ser desperdiçado”. Os amores vêm e vão, talvez a alma gêmea do amor romântico nunca nos alcance porque “o amor fracassa” e não se preocupe em demasiado, afinal de contas, “ a vida é inútil”, você, eu e todos iremos morrer, então, para que sucumbir a tanta pressão do superego?
 

Casais EU-ISSO


“Depende do referencial”, com apenas esta simples frase, Albert Einstein ganhou o Prêmio Nobel de Física no Século XX e se tornou um dos homens mais inteligentes de todo o globo, ao afirmar que a Física não pode ser medida em termos absolutos, depende, sempre, de que pontos partimos para a análise. Assim, alguém acostumado ao frio de menos sei lá quantos graus Célsius das gélidas terra do norte, pode achar a São Paulo destes últimos dois dias um lugar até aprazível para um piquenique, mas, eu, o paulistano da gema, estou a congelar os ossos em um vagão do metrô enquanto torço, em linguagem psicanalítica; deposito a minha fé em eventos não-lógicos na esperança de chegar logo em casa para esconder-me pacatamente embaixo do meu edredon branco predestinado a aguentar o inverno nuclear congelante.
O dia, por assim dizer, fora normal. Estamos em 02 de junho de 2014. Os jornais, em clima político há muito, falam dos preparativos para a Copa do Mundo de Futebol que comecará em 10 dias nestes lados. Entretanto, não é e nem foi isso que ocupou o meu pensamento desde a hora que eu acordei até este momento de congelar os ossos e esperar que o transporte público de uma das maiores cidades do planeta faça a sua parte. Junto com a Copa, exatamente no mesmo dia 12, é comemorado aqui em “terras brasilis” o Dia dos Namorados.  Para quem não sabe, não temos tradição alguma nisso, o que eu quero dizer é que o dia 12 de junho não fora escolhido como Dia dos Namorados por qualquer evento histórico ou coisa do gênero. Consta que um grupo de comerciantes, incomodado com as quedas nas vendas logo após o segundo domingo de maio, Dia das Mães, e com noventa dias pela frente até o Dia dos Pais em agosto precisava de algo para “incrementar” os negócios. O famoso publicitário Alcântara Machado fora contratado para resolver o problema e veio com essa; um Dia dos Namorados em 12 de junho, bem no meio do caminho para que as vendas do comércio tivessem seu plus. Macunaimamente, o nosso Dia de São Valentino passa ao largo do 14 de fevereiro para ser comemorado em junho.
Legítimo ou não, consumista, ou seja lá o que você queira chamar, um fato é praticamente inegável: a data pega para muitos. Vejo nas minhas timelines das redes sociais uma constante reclamação, por vezes explícita e, outrora, como um murmúrio aqui e acolá, quase surdo, que encontra eco em seus pares. Era disso que o meu pensamento se ocupou na maior parte do dia: como há pessoas que se sentem solitárias nesta data! A questão era bem outra, quero dizer, o buraco era mais embaixo. RELACIONAMENTOS, parece que este substantivo abstrato tira o sono de forma concreta de muita gente por aqui: quem não tem, quer um, quem tem, quer sair e há os eternos insatisfetistos com aquilo que têm. Será que não está bem para ninguém!? – pensava enquanto me distraí com o aviso “próxima estação, Ana Rosa, desembarque pelo lado esquerdo do trem”. Opa, é a minha, finalmente chego em casa.
Vamos aos poucos.  Primeiro daqueles que não têm, afinal de contas, parece que é o que mais incomoda nestes dias que precedem ao 12 de junho. Penso em começar as investigações por quem me é próximo. Logo, lembro da jovem mulher estilosa que sofre por 2 anos em uma paixão que sabe que não tem o menor futuro. Há a outra, a bela e inteligente, que se tornou sábia demais para desejar um “príncipe em um cavalo branco”, quer apenas alguém parecido consigo, belo, ainda jovem, inteligente e com certos valores ideológicos que se assemelhem. Não é pedir muito, certo? Não, mas, ao que tudo indica neste momento, ela também passará o 12 de junho só. Há a bela e sedutora, aquela que afasta pelo rigor de suas convicções políticas, mas aproxima ao presentear-nos com meros flashes das suas generosas curvas. Ao que parece, também está só. “Se esta mulher belíssima não consegue se encontrar nos relacionamentos, imagina eu, o gordinho” – penso e esboço um sorriso no meio da rua. Por fim, lembrei-me agora da bela mulher do centro do país, pouco sei sobre ela, mas, ao certo, é carinhosa com os seus e também,ao que tudo indica, tem lá seus problemas de relacionamento.
A paixão, dizem, é uma forma de psicose branda, traduzindo: o apaixonado é um cego, todos sabemos. Chegou agora a vez daqueles que têm relacionamento, mas, como diria Shakespeare, “há algo de podre no reino da Dinamarca”. Uma das maiores mentiras de todos os tempos é o “cogito ergo sum” ou penso, logo existo. Balela. O apaixonado não pensa. Va lá, “o Amor conhece razões que a própria Razão desconhece”, só para continuar em Shakespeare, mas um pouco, só um pouquinho de lógica aristotélica básica não faria mal a ninguém. Graças a isso, vejo se formar casais estranhos, gente que, em uma análise psicológica “de boteco”, percebe-se que não terá o menor logro juntos. Por que se formam? Não quero citar nem êxpor ninguém por aqui, mas dia desses, numa balada, conheci um grupo de pessoas. Eu bem que tento, mas tenho dois sensores que nunca desligam: o jornalístico e o psicanalítico. Lá pelas tantas, uma bela mulher disse que queria ir embora e foi nítido (para este marinheiro aqui de primeira viagem, recém-chegado ao grupo) que o rapaz que ela desejava não deu a mínima para voltar com ela. Entretanto, o outro, que fez de tudo para ir, foi imediatamente recusado. É aqui que eu quero inserir, quase que cirurgicamente, aquele mínimo de lógica aristotélica que falei: por que ela não foi como o bom, com o que, a olhos vistos, gostava dela? Por que ao menos não tentou? Imaginem? Ela foi sozinha pra casa e deve ter ido remoendo o descaso ou “o toco”, com diz a molecada. Todos já vimos romances em que falta este mínimo de lógica aristotélica, em que pensamos: “isso não vai dar certo”, mas o apaixonado ignora a tudo e a todos.
Vivemos sob a sombra do Amor Romântico, traduzido em parcas palavras: é você quem escolhe. Nem sempre foi assim, aliás, o amor romântico é deixado de lado ainda em muitos lugares. Lembro-me ainda no curso de Psicanálise da história de uma mulher muito pobre dos rincões do Brasil, que se casou com agricultor apenas para poder comer arroz todos os dias. Se pensarmos com a lógica paulista, era para ser uma história pra lá de triste, mas, como disse no começo do texto,  Einstein ganhou o prêmio Nobel dizendo que tudo sempre “depende” de quem olha o fato. A mulher não só foi feliz, como teve vários filhos. Aqui as coisas funcionaram de uma forma utilitarista. Desta história eu sei pouco, mas meus avós maternos, imigrantes romenos, tiveram um casamento arranjado quando eles ainda tinham 16 anos e acabaram de chegar neste país maluco chamado Brasil. Tiveram problemas? Tiveram, mas viveram juntos até o final da vida. Eu não quero com estes dois casos afirmar que o melhor para os relacionamentos seria radicalizar o patriarcado, entre outras medidas, nada mais mentiroso e imbecil. Porém, ao certo, com toda liberdade de escolha que temos hoje, parece que mesmo assim os relacionamentos não deslancham como era antes. Por quê?
Procurei uma resposta, pelo menos um norte, por menor que fosse, durante todo o meu dia. Certo, vamos para o viés psicanalítico, o inconsciente nos sabota o tempo todo, mas será que ninguém rompe isso? Deixei a mente solta enquanto trabalhava e fazia as minhas atividades, procurava algo na Literatura ou Filosofia, até que eu lembrei-me de Martim Buber.
Judeu-austríaco, o filósofo Martim Buber nasceu em inícios de 1878 e viveu até os 87 anos. Para este filósofo, as coisas só prescindiam de comunicação para existir, de interação entre elas. Reza a lenda que, quando Buber tinha uns 7 anos mais ou menos, os pais resolveram se divorciar. Se era considerado feio para a minha avó, vivida no século XX, se separar, imagina para uma família em pleno século XIX. Entretanto, ao invés um trauma de infância, Buber havia pensado assim: “Por que meus pais, pessoas tão íntegras, não conseguem viver juntos?” Daí nasceu dois conceitos importantes deste filósofo, duas palavras-conceito: EU-ISSO e EU-TU.
Como eu disse, Buber olhava as coisas a partir da sua interação, da comunicação entre elas. Por isso, EU-ISSO é uma relação entre o ser e a coisa, o objeto, é uma relação de benesses, de utilitarismo, de toma-lá-dá-cá. Já o EU-TU trabalha com a relação de alteridade, o que o dicionário define como “um substantivo feminino que expressa a qualidade ou estado do que é outro ou do que é diferente”. A relação EU-TU implica em desdobramento das relações, de uma interação de RECONHECIMENTO do outro, das diferenças. Algum ingênuo, quase em um nível trotskista, como alguém do PSTU, por exemplo (aposto que um aparecerá por aqui só para me assombrar por causa desta piada), pode afirmar neste breve apanhado da obra de Buber que todos os problemas estão na “coisificação” dos sujeitos, devemos então nos empenhar única e exclusivamente em uma relação EU-TU galgada no reconhecimento do outro. Buber nunca corroborou com tal utopia; a relação EU-TU deve ser buscada, mas ela é rara e preenchida por momentos de EU-ISSO.
Ao longo da vida, é importante – e positivo – que os casais equalizem as suas forças em prol de algo maior que é a família. Quem nunca ouviu o marido falar para mulher ou vice-versa: “vai lá falar, você que tem mais jeito”. Usamos as forças do outro, aquilo que ele tem de melhor do mesmo modo que emprestamos as nossas. Assim, pelo menos a meu ver, devem ser construídas as relações. O problema, percebo, são relacionamentos inteiramente balizados no utilitarismo do EU-ISSO. São casais e mais casais de EU-ISSO, o mais da mesma e morna mediocridade. Explico melhor: não sejamos hipócritas nem utópicos, é evidente na nossa sociedade – e em tantas outras – a importância da beleza, por exemplo, ela conta e abre portas, sabemos. Também não devemos desprezar as qualidades financeiras do parceiro, ninguém aqui está fazendo voto de pobreza e vivemos no Capitalismo, não estamos acima dele, traduzindo: precisamos pagar as nossas contas que teimam em chegar, ainda não se recusaram a isso, como afirma o famoso poema de Drummond sobre os Namorados Do Brasil.
Há limites e não devemos ultrapassá-los. Os gregos antigos tinham a expressão “hybris” para explicar a desmesura das coisas. Por exemplo, um gordo está na desmesura do comer, um viciado em compras e cigarro, idem. Os momentos de EU-TU são raros, mas devem ser buscados. A desmesura no EU-ISSO pode, pelo menos neste texto, dar um norte para a confusão dos relacionamentos. O que eu tenho visto por aí, apenas para ficar no meu campo de observação, são pessoas que exageram na busca do utilitarismo dos relacionamentos (ou não se relacionam por não encontrar esta relação de coisas que afirma Buber). É comum ouvirmos: “só namoro com uma pessoa com a mesma carreira que eu, que more perto, que seja blá, blá, blá e blá...”  (sempre características utilitárias). Mesmo que busque o outro para reduzir a própria carência ou a solidão tem nisso um motivo EU-ISSO. As pessoas buscam outras da mesma forma que escolhem compras no supermercado, o problema é que o meu danoninho não tem vontade própria e não me questiona. Aos poucos, os casais do EU-ISSO se adaptam a uma rotina, mas percebe-se anos luz de distância que o amor se foi ou sequer existiu ali. No primeiro momento em que o contrato utilitário é desfeito, BANG! – parte-se para outra. Os casais como os meus avós ou a comedora de arroz, por exemplo, não partiam do amplo leque de escolhas do amor romântico, mas sabiam enxergar o outro e a lidar com este, sabiam a desdobrar e estreitar as interações no melhor estilo EU-TU.
Por que chegamos nisto? Ficamos maus? Corrompidos pelo mercado simplesmente? Não, NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃO!!!!! Erramos tentando acertar, lidamos com algo complexo com teorias que sequer arranham o problema.
Tenho descoberto – aos poucos – o interessante trabalho do filósofo indiano Jiddu Krishnamurti, que viveu 91 anos e foi contemporâneo de Buber. Há muitos vídeos de Krishnamurti aqui na internet, alguns legendados. O filósofo tem um livro chamado SOBRE RELACIONAMENTOS, mas não é deles que falarei por aqui. Em um vídeo, o filósofo trata de um dos grandes problemas nossos é a SACRALIZAÇÃO DAS IDEIAS. “Nenhuma idéia deve ser considerada sagrada, pois nenhuma abarca a magnitude da vida”, afirma categoricamente Krishnamurti. Nada é sagrado para o filósofo. Cristianismo, socialismo, capitalismo, seja lá o que for, não passa de uma ideia, todo o complexo sistema de existir humano está muito além de uma simples ideia, tentar fazer caber tudo em um conceito é torná-lo raso, de som fraudulento e forçado. A Psicanálise, por exemplo, é uma teoria, em outras palavras, uma ideia. A Psicanálise tem seu campo de estudo, mas nem tudo que existe pode ser explicado por ela sem que soe estranho. Parece óbvio, mas todos nós já vimos alguém tentando “fazer caber” algum fato excêntrico a uma teoria religiosa e a coisa ficou esdrúxula.
Nos meus devaneios, penso que a PAIXÃO, aquela mesma arrebatadora, a que o escritor Charles Bukowski define como "minhas tripas se retorceram. Me senti doente, inútil, triste. Estava apaixonado" vive no campo das ideias. O próprio Bukowski dá uma pista sobre isso ao afirmar  “e você me inventou e eu inventei você e é por isso que nós não damos mais certo”. A paixão é idealizadora, amamos, ou melhor, ficamos apaixonados por aquilo que nos agrada e é idealizado, mas este tipo de amor “é como uma névoa que se desfaz ao primeiro raio de sol de realidade”, só para continuar em Bukowski. A PAIXÃO (que idealiza) é ligada à admiração que temos por alguém, por exemplo. Isto, aplicando Buber, é EU-ISSO. Nos apaixonamos por alguém pelo seu caráter utilitário, por aquilo que esta pessoa nos proporciona: a admiração. Até aí sem problemas, o próprio Buber afirma que o EU-TU é algo raro de acontecer em um casal e que os dias são preenchidos pelo EU-ISSO.
Conheço pouco, mais precisamente, dois casais em que eu acredito que exista o AMOR EU-TU de fato. Em um deles, há uma diferença brutal de idade entre os cônjuges e no outro, a comunista de carteirinha se casou com o reacionário. Devem ter lá suas brigas por isso? Devem, claro, mas existe algo diferente, aquela mágica, aquele “tocar de sinos invisíveis” que todos nós queremos – e esperamos – encontrar dia destes. Ao meu ver, estão mais no EU-TU, em outras palavras, se aceitam – e se amam – como são. Este deve ser o caminho, imagino. Voltando novamente aos meus avós e seu casamento arranjado. Existia o preconceito do divórcio? Existia, mas o que fez com que o casamento desse certo foi o enxergar – e aceitar – o outro como ele é, respeitando às vezes, brigando em outras, tentando transformá-la em algumas. É isso que falta no utilitarismo do EU-ISSO, quando os benefícios acabam, acaba a relação. O AMOR está em enxergar o outro como ele é, idealizá-lo, admirá-lo. Procurar alguém que “se encaixe” nas qualidades que você acha como necessárias para algo duradouro não está dando certo, é só olhar em volta. Ver o outro como ele é de fato – e ainda sim gostar dele – é muito mais que uma ideia, é acompanhar o ritmo da vida que não pode ser racionalizado proposto por Krishnahmurti.

Não se trata aqui do BEM X MAL, que eu prego um modo de se relacionar perfeito e que, quem não me ouvir, irá queimar “nas profundas”, quero com este texto apenas mostrar o “modus operandi” das duas formas de se relacionar, a EU-ISSO e a EU-TU. A escolha, caras amigas (duvido que um homem irá ler este texto, ou irá ler até aqui), é só de vocês. Só posso torcer por vocês neste Dia dos Namorados que se avizinha.